Milho do Seu Jorge

RIO DE JANEIRO

Seria justo que o carrinho na esquina das ruas do Catete e Corrêa Dutra carregasse a seguinte placa: “Só puxe conversa se tiver tempo de sobra”. Jorge não faz questão de ser enxutoquando começa a narrar uma de suas histórias. E são aventuras tão deliciosas que fica difícil seguir a rotina – esta, depois, parece totalmente desinteressante. A viagem de Jorge Gabriel de Melo Marçal de Albuquerque Torres começa no Nepal. “Vim para o Brasil com um aninho”. O pai era francês, integrante da Legião Estrangeira, e a mãe, pigmeia do Kalahari. “Ela tem quase 1,28m e ainda está viva, com 106 anos”, garante o octogenário. Reinaldo, o pai, teria vivido até os 120. “Quando nasci, ele já tinha mais de 60 e outros 22 filhos de casamentos anteriores”. No Brasil, a vida da família, rica, foi em Itaguaí, a setenta quilômetros do Rio. Lá, Jorge teria casado, aos quinze anos, com uma japonesinha de apenas 12, recém-chegada ao país, num matrimônio arranjado. “Um sequer falava a língua do outro”. A mulher engravidou três vezes, de trigêmeos, em três anos. “Somos uma família de mais de dois mil anos de existência, e que a cada século só nasce um da estirpe”. Ser “da estirpe dos Torres” significa “ser aplicado, estudioso, ter coragem”. E é assim que ele toca a vida e o carrinho de milho cozido há 23 anos. Enquanto mergulha a espiga em água salgada, conta que abandonou uma herança milionária quando decidiu abandonar a família: “Papai disse que, se eu saísse de casa, não seria mais filho dele”. Mas naquele tempo a vida era boa: como tenente da Aeronáutica, viajava para cima e para baixo. A derrocada veio quando foi alijado das Forças Armadas, por desobediência. “Então comprei o carrinho de milho. Na velhice não tem emprego para a gente”. Hoje, bate ponto no Catete. Se não estiver por lá, é porque está dando aulas de kung-fu. “Mas pode ser que eu esteja fora do país. No fim deste ano devo tocar uma obra na África”. É, Jorge gosta mesmo de viajar – e de contar histórias.

 Fotos: Marcos Pinto/ Texto: Ines Garçoni